Seguradoras têm dificuldades para identificar bons parceiros entre as oficinas especializadas em motocicletas. Impressão é de que falta capacitação e padrões às reparadoras
Por Alexandre Carvalho dos Santos
Editor
Colaborou Marcos Carvalho
Certificação
A motocicleta ainda é um produto que assusta o mercado segurador. Evidência disso é que, de uma frota circulante que já passa das 10 milhões de unidades, apenas pouco mais de 223 mil motos têm seguro. É muito pouco para um mercado em expansão notável no Brasil, com crescimento anual estimado em 10% e uma previsão de que chegue a 15,5 milhões de unidades em 2015. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou que até 2017 haverá mais motos que carros nas ruas brasileiras.
Se há tanta oportunidade de crescimento, por que o seguro de moto ainda é tão limitado? O problema passa por uma frota dominada por motos em mau estado de conservação. Em 2010, as motos lideraram as estatísticas de irregularidades em relação à inspeção veicular ambiental de São Paulo: metade da frota simplesmente não passou pela inspeção. Das que passaram, 32,54% foram reprovadas – para se ter uma ideia, o índice de reprovação entre os automóveis é de 21,51%, porcentagem que cai para apenas 8,5% na segunda inspeção.
Pior ainda: faltam oficinas especializadas com capacitação para um reparo de qualidade. O mercado reparador de motocicletas ainda se caracteriza pela falta de padrões, de estrutura e de mão de obra treinada. Um cenário que já foi muito associado aos reparadores de automóveis, mas que acabou sendo superado por esse setor.
Sem garantias
Ney Marinovic Brscan tem uma corretora de seguros há 25 anos, e recentemente tem investido no nicho dos motociclistas. Sua maior dificuldade, ele conta, é a de identificar um leque de oficinas capacitadas para o reparo dos bens de seus segurados.
Também proprietário de uma motocicleta, ele sofre na pele as dificuldades de encontrar um bom prestador de serviços no ramo. “Tenho uma Yamaha Midnight Star 950, que tem um preço de mercado em torno de R$ 30 mil. Se tiver de trocar um escapamento, o custo é de quase R$ 4 mil, mais de 10% do valor da moto. Não posso deixar um produto desses numa oficina sem condições técnicas de cuidar dele.”
Ney Brscan, corretor e dono de moto |
A preocupação de Brscan, corretor e proprietário de moto, tem eco no que a reportagem apurou junto às seguradoras. Embora as companhias busquem parceiras de bom nível para a formação de suas redes de referenciadas, a imagem geral que têm desse mercado não é das melhores. “O problema surge quando o cliente acaba optando por uma oficina sem a capacitação adequada, que é um retrato do que mais se vê nesse mercado”, lamenta Jeferson Andrade Benitez, coordenador de sinistro e regulação da Azul Seguros. “Vou dar um exemplo: sempre que a moto sofre um sinistro, é preciso conferir o alinhamento da estrutura. Como é possível garantir a qualidade de um reparo que é feito numa oficina que não tem o cuidado de fazer essa conferência? Isso sem contar que essas oficinas sem capacitação ainda trabalham com peças sem garantia de procedência. Imagine o que é a segurança de uma moto que trafega em alta velocidade na estrada, sem alinhamento e usando uma peça dessas…”
Já Cleverson Ogeda de Oliveira, gerente de sinistros de automóveis da Mapfre Seguros, destaca as limitações de recursos associadas à falta de capacitação. “Aparentemente, o trabalho com motocicletas parece fácil, já que a maioria não envolve grandes valores. Mas, se a seguradora não exercer um acompanhamento crítico e técnico, ela pode acabar pagando valores indevidos”, alerta Cleverson. “Outro problema é que, em diversas situações, a seguradora acaba pagando por uma peça nova simplesmente porque a oficina não tem capacitação para fazer o reparo, que seria a opção mais acertada. Faltam a essas oficinas equipamentos, ferramentas e mão de obra qualificada para um reparo de qualidade. Se não podemos confiar na qualidade do reparo, optamos pela troca da peça.”
Poderia ser melhor…
As deficiências mais identificadas nas oficinas de motos:
– Desorganização
– Sujeira no ambiente
– Profissionais sem treinamento
– Falta de equipamentos apropriados
– Falta de processos padronizados
– Não fazem pós-vendas
– Falta serviço leva-e-traz
Outro problema muito visto é um excesso na terceirização dos serviços. Como a maioria tem estruturas precárias, as reparadoras acabam transferindo para outros prestadores grande parte das etapas do trabalho. Muitas vezes, a funilaria e a pintura são feitas num lugar, o alinhamento em outro, o reparo das rodas e do chassi em outro… Esse excesso de divisão do trabalho tem os seguintes impactos:
– Na qualidade: O ir e vir de peças resulta no risco de avarias durante os percursos e também de que uma peça se perca. Há divisão de responsabilidades.
– Nos custos: São maiores em função da divisão do trabalho entre várias empresas; cada prestador vai querer seu lucro.
– No prazo: Quanto mais fornecedores envolvidos, mais riscos do prazo final não ser cumprido.
Qualidade à mostra
Se falta capacitação à maioria das oficinas de motos, as que têm qualidade procuram uma proximidade maior com o cliente do mercado segurador. São oficinas bem estruturadas, para as quais o fator preço não é prioridade. A prioridade é a satisfação com o serviço realizado.
“É preciso colocar no mesmo nível da balança a qualidade dos serviços, o bom atendimento, uma boa recepção e a troca de informações com a seguradora e o cliente da seguradora”, afirma Flavio Spina, proprietário da Garage Motocenter, oficina do bairro da Mooca, em São Paulo, especializada em motocicletas. “Há o cliente que pode chegar à minha empresa por meio da seguradora, mas, com um serviço bem feito, tornar-se cliente cativo.”
Flavio Spina, da Garage Motocenter |
A oficina de Spina é uma das exceções do mercado, o tipo de reparadora que qualquer companhia de seguros gostaria de ter como parceira. É bem organizada, sem aperto, tem ferramental de primeira linha e equipe experiente e treinada.
Parte de toda essa conquista tem a ver com o fato de Spina ter um histórico profissional no mercado segurador. “Do outro lado do balcão”, via as dificuldades que as companhias tinham com as oficinas de motos – e também o que o mercado buscava num parceiro ideal. “Como não tem muita demanda de seguradora, a oficina de moto não sente que precisa ser parceira da companhia. A moto seguinte da mesma seguradora pode demorar dois meses para entrar… Então a oficina não sente que deve fazer prestação de contas, não acha que precisa mostrar uma nota quando chega uma auditoria, e não se preocupa com os prazos combinados.”
Spina acredita que uma certificação de oficinas de moto seria um grande recurso para oficinas como a sua: traria a visibilidade de que os bons prestadores de serviços precisam para dialogar com seus clientes. “Melhoraria muito o padrão do mercado, daria um aval de qualidade e apontaria para a corretora e a seguradora quais são as oficinas diferenciadas.”
Certificação ajudaria
Interior da Garage Motocenter |
Segundo Jeferson, da Azul, a situação atual do mercado reparador de motos é parecida com o que o Brasil já viu na área de automóveis – e que pode ter o mesmo remédio. “Minha impressão é de que estamos vivendo hoje, com o reparo de motos, algo semelhante ao que vivíamos cerca de dez, quinze anos atrás com as oficinas para carros. Não havia uma certificação que padronizasse os processos das oficinas, o mercado reparador era uma bagunça, com muito serviço improvisado, e sem padrões técnicos que orientassem os trabalhos. O mercado está atrasado para o surgimento de uma certificação.”
Cleverson, da Mapfre, pensa de modo parecido. “Até pelo volume crescente da frota de motocicletas no País, seria muito importante existir uma certificação para oficinas de motos. Se tivermos a oportunidade de qualificar, organizar e treinar os reparadores, certamente o sinistro de moto vai ser tratado com maior tranquilidade, e este tipo de seguro poderá se desenvolver no Brasil.”
Orçamentação para motos
O Órion está preparando a homologação de motocicletas em seu sistema. Isso quer dizer que, em breve, as oficinas de motocicletas também poderão fazer seus orçamentos de sinistro por meio do melhor sistema eletrônico do mercado. O início oficial dessa operação será divulgado no Twitter e no site do CESVI – respectivamente, @cesvibrasil e www.cesvibrasil.com.br