REVISTA CESVI | Entrevista com Antonio Fiola, presidente do Sindirepa-SP

 

Se você entrasse num túnel do tempo direto para meados dos anos 90 e conhecesse uma oficina típica daquele período, talvez não identificasse que se tratava do mesmo tipo de negócio representado pelas reparadoras de hoje em dia. O setor vivia um atraso evidente em termos de tecnologias e gestão. Mas, nesses 20 anos de intervalo, muita coisa mudou: as oficinas se modernizaram, passaram a trabalhar com equipamentos e processos em linha com os veículos que chegam no dia a dia, e agora têm se preparado para lidar com a tecnologia embarcada que é, cada vez mais, a marca dos automóveis atuais e futuros.

Uma testemunha privilegiada desse processo evolutivo foi Antonio Fiola. Ele mesmo um proprietário de oficina, Fiola assumiu a gestão do Sindirepa-SP (Sindicato da Indústria de Reparação de Veículos e Acessórios do Estado de São Paulo) em 2007, com o falecimento do antecessor, Geraldo Santo Mauro, e desde então tem lutado pelos interesses do setor, mas sempre preocupado em manter bons relacionamentos com todos os segmentos que envolvem a produção, a venda, o seguro e a reparação do automóvel. Ninguém melhor que ele para nos contar sobre o que mudou para as oficinas nas últimas duas décadas, e como é o cenário atual em que as reparadoras atuam.

Como você traçaria um paralelo entre a situação das oficinas de 20 anos atrás para hoje em dia?
É um período que coincidiu com os 20 anos de atuação do CESVI, aliás de extrema importância para o mercado de reparação, e era então uma época muito difícil, em que o relacionamento entre oficinas e seguradoras era bastante complicado. E apesar disso o mercado reparador vivia uma realidade muito próspera. Tínhamos sinistros de grande monta chegando sempre à oficina, o ticket médio era muito maior, havia um bom faturamento. Com o passar do tempo, muita coisa mudou. Já naquela época, pensamos que tínhamos de nos tornar muito mais competitivos, gerir melhor os nossos negócios, porque viria a necessidade de termos controles maiores, fotografias de perícia muito mais elaboradas – o que foi um marco para nós – e os próprios softwares de orçamento transformaram a nossa rotina. Foi uma evolução monstruosa em muitos sentidos. E não dá para deixar o CESVI de fora do grande avanço que tivemos no relacionamento entre oficinas e seguradoras; ela foi muito significativa e posso dizer que fizemos história até no mundo, porque em poucos países se tem um relacionamento no nível que preservamos aqui, não só com as seguradoras, mas com todas as instituições. O próprio CESVI se reúne conosco a cada dois meses para falar de software.

Essa diminuição do ticket médio tem a ver com a evolução da tecnologia do carro?
No cenário atual, você tem um carro tecnologicamente muito mais sofisticado. Por isso mesmo, esse carro bate menos, e quando bate essa colisão é de uma intensidade menor. Há 20 anos eu comprei uma mesa de alinhar chassi, que era utilizada em 20% das passagens da minha oficina, e hoje ela é usada em 4% das passagens. Ou seja, um grande equipamento, caríssimo, que se tornou quase um enfeite. As oficinas estão tendo de aprender a consertar muito mais carros para manter um faturamento bruto, temos de tirar mais de menos. O mercado passa por um período bem delicado hoje, e não tanto pela crise econômica, mas justamente pela evolução do automóvel, da tecnologia, pela redução dos limites de velocidade nas grandes cidades e pela redução drástica no sinistro médio.

Falando em carros mais sofisticados, houve um período recente em que os donos de oficinas reclamavam muito de falta de mão de obra qualificada no mercado. Como está isso agora?
Isso é uma gangorra. Nossa mão de obra tem uma variação que envolve as montadoras. Quando veio a crise, a indústria automotiva começou a demitir, e essa mão de obra já treinada voltou para as oficinas. Ao mesmo tempo que estamos lidando com as dificuldades da recessão, passamos a voltar a ter um pessoal qualificado. O problema é que aí todo mundo do setor dá a questão da mão de obra como resolvida. O gestor da oficina não pensa lá na frente, ele vai muito pelo surgimento do problema. E o Sindirepa-SP tenta mudar essa mentalidade, contando com nossos parceiros, como CESVI e Senai, tentando treinar o máximo possível de gente. Mas o fato é que, neste momento, há uma estabilidade em termos de mão de obra nas oficinas graças a esse pessoal que saiu das montadoras.

Você disse que o momento delicado das oficinas não tem tanto a ver com a crise, mas algum impacto ela deve ter tido, não?
O impacto direto da crise nas oficinas hoje é esse consumidor menos provido de dinheiro. Entretanto, a oficina que pensou bem e se posicionou como prestadora de serviço, indo além do cliente seguradora, essa está trabalhando muito. Há oficinas batendo recordes em número de carros atendidos porque se dedicam muito à manutenção preventiva. Com a crise, muita gente decidiu que não vai trocar o carro este ano, e por isso optou por consertar o carro que já tem. Então a oficina que mantém uma proximidade com o cliente faz uma programação anual de manutenções. E aí aproveita para oferecer outros serviços: vamos polir, vamos higienizar o ar-condicionado, vamos pintar esse para-choque… O ticket médio obviamente caiu de maneira significativa, mas tem muita oficina trabalhando como nunca. O impacto da crise para o mercado, então, é um pouco de inadimplência e essa queda no ticket médio. Mas não falta demanda.

Qual o caminho para a rentabilidade nesse momento delicado?
O empresário precisa mesclar suas atividades. Um carro de seguro não é a melhor receita do mundo, mas é uma receita que nem existiria se a seguradora não me credenciasse. Eu vou pegar esse cliente e tentar agregar o máximo de serviços. Esse carro já entrou no meu custo fixo, já entrou na minha estrutura de trabalho, já entrou no cronograma dos meus colaboradores. Qualquer coisa que eu agregar a esse carro vai me trazer uma receita de ótima qualidade. Trocar palheta de limpador, por exemplo, é um negócio que dá um lucro absurdo, e pouca gente oferece. Se esse empresário se voltar para essa prestação de serviço, consegue agregar um monte de coisa a esse faturamento. Mesmo com o ticket médio baixo, você consegue recuperar lucratividade.

A gestão das oficinas também evoluiu para ter esse olhar?
Acho que o empresário de oficina de funilaria e pintura evoluiu do ponto de vista da gestão, porque caso contrário ele quebraria. Já o de mecânica ainda tem uma visão de administração muito técnica. Ele se preocupa muito com a tecnologia. O que tem um lado bom, porque faz com que as oficinas deem conta de lidar com automóveis sofisticados mesmo com montadora sonegando informação, um monte de dificuldades… e a coisa tem funcionado.

Você mencionou uma evolução na relação com as seguradoras. Fale um pouco mais sobre isso.
Avançamos muito nesses anos em relacionamento, de ambas as partes. A maior prova é a autonomia que a oficina referenciada passou a ter no sinistro. E foi a seguradora que ofereceu para a oficina essa autonomia: hoje a própria reparadora fotografa o carro, faz a vistoria… Lógico que ela tem ferramentas de controle muito maiores do que tinha antes, o que ajudou nessa conquista. Por outro lado, ainda podemos melhorar no que diz respeito às ferramentas de fiscalização do processo. Muitas vezes você tem uma auditoria de uma seguradora que corta uma hora do trabalho que a oficina está fazendo. Ora, se o meu colaborador foi mais rápido do que eu cobrei, nada mais justo do que eu ter esse lucro, não tenho de devolver esse dinheiro. Foi a eficiência desse meu profissional que me fez ganhar essa hora. Esse tipo de atitude leva a um choque de relacionamento. A seguradora deixa uma imagem arranhada perante a oficina por pouca coisa. Às vezes a companhia não quer trocar uma embreagem quando o carro sofreu um calço hidráulico, e a oficina tem de lidar com essa recusa enquanto está cara a cara com o cliente. Ou seja, a oportunidade de a seguradora aparecer para o seu cliente de maneira positiva é por essa intermediação da oficina. É a oficina que tem condições de deixar mais tranquila essa experiência difícil do segurado que teve seu carro batido. Quando chega um cliente à oficina, o reparador pergunta de que seguradora é. Se for de uma seguradora que paga bem e sem conflitos, é óbvio que a oficina tende a tratar esse cliente melhor.

Que balanço você faz da sua gestão à frente do Sindirepa-SP?
Eu com certeza dei uma cara mais jovem ao Sindirepa-SP, mas principalmente agreguei uma cara de entidade que trabalha e que sabe negociar. Hoje nós conversamos com todo mundo, temos a porta aberta em todos os lugares, eu me relaciono bem com a indústria, com a distribuidora, com as instituições, as seguradoras. Acho que tudo isso faz parte do nosso trabalho. Eu particularmente sempre evitei ter de entrar em questões judiciais ou em quebras de relacionamento, mesmo tendo passado por inúmeras dificuldades, pelo próprio fato de sermos pequenos lidando com grandes. Sempre procuramos preservar a relação, mesmo que em alguns momentos isso não tenha sido possível. E até relacionamentos com entidades de outros países, algo que me permite trazer aprendizados do exterior para as oficinas daqui.

Houve algo que você lamentasse durante esse período?
Com certeza foi o fim da inspeção veicular. Lutamos muito para que ela acontecesse e, quando aconteceu, conseguimos provar uma série de consequências positivas para a sociedade. Aí, justamente quando ela foi aceita pelo consumidor, o prefeito Haddad cortou. Sendo que a qualidade do ar de São Paulo tinha melhorado muito com a inspeção, o número de remoções da CET tinha diminuído, o trânsito tinha melhorado, as internações por problemas pulmonares tinham caído. E mesmo assim, por questões políticas, a inspeção foi cortada. Veja que a inspeção tinha ajudado a oficina a conscientizar o consumidor da importância da manutenção do carro. Além disso, foi uma perda de receita muito grande para a oficina. Usando um exemplo pessoal, nunca mais usei meu analisador de gases. Que consumidor vai se preocupar sozinho com o nível de emissão de poluentes do seu carro? Só se for do Greenpeace. E a inspeção obrigava que ele olhasse para isso. Não vou desistir da volta dessa inspeção, estamos lutando para recuperar isso por diversos caminhos. Acho que essa foi a grande perda que o mercado teve em nossa gestão. Enquanto os relacionamentos marcaram positivamente esse período todo. O setor agora pode transitar em qualquer ambiente de cabeça erguida.

REPORTAGEM: Alexandre Carvalho dos Santos
FOTO: Luciana Ruffato

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